Olhas do chão a imensidão da queda que te levanta... |
Penso em ti, a cada segundo que
estou longe, sinto a ausência da tua presença, do teu olhar. O tempo passou e
por vezes parece ter estagnado. Olho no espelho o meu reflexo, não me
reconheço, não reconheço o espaço onde me encontro, não sei como vim aqui
parar. Cansado de não ter descanso, de não encontrar repouso, desejado… tão
desejado! Sentir teus olhos lavarem-me a alma, deparar-me com o teu sorriso e
sentir a jovialidade da vida percorrer o meu ser. Continuo a caminhar, errante,
por entre espinhos e falésias que me fazem duvidar da vida, da morte, do hoje e
do amanhã.
O espelho retribui-me a imagem
perdida de quem te procura e não encontra. Idos os tempos em que desfolhava teu
véu, a mão no meu rosto a enxaguarem o suor da caminhada. Penso em ti, como não
poderia deixar de pensar! Eu desejo o nosso reencontro, o nosso sonho. Na queda
repentina que acolheu nos fetos o meu corpo, repousa a tua, a minha, a nossa
vontade. Não consigo, olhar, ver o reflexo do moribundo que se levanta, se
ergue apressadamente para voltar a cair, voltar a sentir o desconforto da dor,
a que se impregna em todos nós no sofrimento desmedido. Não se resigna a
desbastar-nos por dentro, por fora e a toda a nossa volta. Este estancou as
feridas supérfluas enraizadas num continuum jorrar interno do sangue, dos
órgãos e da alma mutilados na caminhada. Estendi, estendo, dou e recebo, a mão
a quem me acompanha; percorremos os trilhos na esperança do encontro final, com
a calorosa receção partilhada na alegria da superação de uma, duas, várias
montanhas ultrapassadas.
Penso em ti… Penso no abandono
forjado, vendido que desmembrando lentamente nos afastou de todos e de ninguém,
consequentemente permitimos esta intromissão na nossa relação. Hoje, de frente
a este espelho, desconfio e desconfias de mim, de ti e de todos os que passam
na tua vida. As trocas sujeitadas a intermediação fria, gélida sem qualquer
toque, calor humano; despertam o pior que temos dentro de cada um de nós. Se te
amo? Amo! Amo-te como és, como virás a ser! Se te quero mudar? Provavelmente
tentei faze-lo, repetidamente sem nunca alcançar esse objetivo. Como nos
podemos relacionar? Respeitando, mas não no sentido superficial do termo,
aceitando quem nós somos e como somos, respeitando o verdadeiro ser que habita em
nós. Em ti penso por esta lição!
O teu rosto, simples arredondado
e esguio, com os lábios num sorriso aberto, olhar franco e triste… Porquê essa
tristeza? O que posso dar para a tristeza partir?
Olhos verdes, limpos abertos ao
mundo que rodeia teu ser. Um olhar expressivo, comunicativo sem palavras
proferidas no mais íntimo do ser. Sobrancelhas lisas, plenas de retidão no
contorno das orbitas arredondadas. Penso nesses olhos, na majestade de suas
vidas, nos horizontes desbravados, por espaços curtos do seu cintilar. Penso
nas horas, saudosas de outros tempos de sorrisos despreocupados. Em teus olhos
a esperança renasce na lembrança a vontade de ser e de estar, pleno sem
qualquer outro condicionamento. Não nos ensinaram a sonhar, o suficiente, para
sermos ousados no olhar que temos de ti, de nós… Era necessário termos
aprendido que só procurando o respeito por nós poderíamos sonhar com um mundo
melhor. Nos teus olhos vejo, a vida desfeita dos sonhos vendidos e comprados,
dos sonhos que se auto inscrevem na não realização de um mundo extinguido do
qual desejamos não fazer parte.
No espelho, o retrato de quem tu
nunca viste, de quem nunca sonhaste, do que tu nunca desejas-te. O retrato de
quem ambiciona e precisa de se erguer. De quem olha para si com os olhos
estranhos e desconhecidos da obra incompleta e transfigurada dos outros,
acomodada num pequeno invólucro sem abertura, sem portas, sem janelas que
permitam a abertura e a comunicação, a troca, a partilha verdadeira das
existências contidas nela. Em ti, pelo espelho, pela água, sei sem dúvida
alguma, o momento prestes a chegar da revivescência dos sonhos construídos será
mais forte, impossíveis de se conterem guardados, a mudança impregnará o que
nos rodeia para um nova caminhada vigorosa ao cume da serra que diante de nós
se apruma.
Queixo caído, ombros pesados,
rosto anémico moribundo com aguaceiros refletidos, busca o alento emergente,
contrário ao momento vivido. Em ti penso por seres a beleza que afaga o
coração, a vida primaveril que permanece eterna, a criancice sempre tão
desejada. De mãos abertas recebes os corpos mutilados, os que do chão já se
levantaram. Em ti, em mim e nos demais ao nosso lado, caminham nutridos por um
simples conforto no colo dado. Na esperança de nos encontrares, de nos encontrarmos,
reinventados.