Sensações
Podia começar apenas por descrever
o que vejo. Será que isso é útil? Será necessário descrever o que vejo? Será
imprescindível relatar o que se passa? Ou mais útil será pensar no que sinto e
no que vivo…
Há várias formas de iniciar uma
história, esta não tem um único princípio, múltiplos inícios, meios e fins.
A distância dos acontecimentos, a
distância das imagens, a distância do sentimento, a distância… Estou a senti-la
novamente. A relevância da distância é nula, não existe, enquanto estamos aqui,
presentes, estáticos na vida que conhecemos, a viagem que podemos encetar pode
ser curta e grande. A distância move-nos, aproxima-nos. Transforma o perto e o
longe, ela dá vida, ela dá movimento e cor, não é perfeita mas perfeitamente
imperfeita.
Não me interessa a distância. Não
tenho esperança em que a distância aumente, e menos ainda que a separação entre
nós aumente. A incerteza da certeza, revela-se dolorosamente com a
magnificência do amanhã é hoje, e o hoje o ontem saudoso que gostava de
guardar, num minúsculo cofre.
O que é uma sensação? É um reflexo?
É o momento exacto em que agimos? É ou será a emoção que vivemos a cada segundo
do nosso ser?
Imprimi uma nova rota na linha de
água percorrida até aqui. Atraco o bote e piso o solo que consola meus pés,
minhas pernas, meu peito e meus braços. A mente, essa retêm-se mais uma vez na
corrente, a que não pára, aquela que nos transforma, imobiliza. O lugar não
permite exprimir o cansaço de tudo o que sinto. A paz, por momentos insípidos,
instala-se no descanso merecido. Procuro a cama, o conforto do lar, do que nos
traz segurança para descansar. Serei capaz de a encontrar?
A sensação constante da insistência
de cumprir com os planos, com as ideias construídas, calcadas na laje, na
rocha, que o tempo come, impede que muitos sejam recebidos com a compreensão
devida. As margens onde chego, demonstram a silhueta longa dos cabelos
ondulados da manifesta insatisfação dos deveres incumpridos. Sensação de não
estar onde estou, de não ver o que vejo, de chorar o que como, de rir o que
respiro, da mentira que desenvolveu-se em torno de nós; nós que não somos se
não eu isolado, distante e próximo de ti.
Várias são as linhas escuras da
madrugada que anunciam a chegada de mais um dia. Por ti espero, por ti desejo.
Por ti… te quero! Por ti… te deixo… Em silhuetas delineadas pelas copas
esbeltas e encorpadas, a luz rosa avermelhada pintalgada de azul permite
emergir lentamente, as abóbodas verdes que dançam o bailado mais belo e natural
que as mulheres tentam sempre replicar, e os homens se permitem olhar, abanando
levemente os seus pesados corpos de evolução diminuta.
A areia, decalcada das rochas
brancas e brilhantes, permite sentir o frio, a angústia da noite que teima em
não partir. Já na praia agradeço ao barqueiro que me levou da margem contrária
a que me encontro agora. Esta será apenas mais uma busca sem fim, ou o início
de mais um momento, uma experiencia que necessita de uma laboriosa preparação,
apenas a mochila do andarilho em que me construi. Levo dentro o vazio que
transborda a taça erguida nas festividades, a insensata sensatez de o
desconhecido conhecer. Rabiscando por dentro a insaciada fome, penso que são
horas de partir da areia para a terra que aguarda a chegada de mais um dia.
Rema barqueiro, rema, que as águas
inóspitas e geladas da tua barcaça te levem para a outra margem. Olho uma
última vez, antes de partir, para a encosta descansada com as casas, as luzes,
a praia e a fartura de uma noite e vários dias de completa farra e alegria. Em
breve, voltarei a ti, em breve estarei de volta para a luz da vela cintilante
poder brilhar em mim. O caminho em frente parece tortura antes mesmo de começar. Sem casas,
sem apoio, sem segurança. Detenho-me um pouco a pensar se valerá a pena
desbrava-lo. Impelido por uma força estranha e bruta dou por mim a penetrar
dentro das bailarinas, no meio das suas pernas altas, saias balão, esvoaço no
meio das suas piruetas e saltos travão.
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