Por muito que a
criança chore, faça birra ou pura e simplesmente contrarie a expressão das
ideias dos progenitores e de quem o educa, mesmo que possa ter razão sobre o
que deseja e pretende, somos tentados na maioria dos casos a ignorar e impor a
nossa verdade aos pequenos.
Manifestação de 2 de Março no Porto |
Somos pequenos.
Seremos sempre pequenos, e com pretensões de virmos a ser grandes, por muitos
anos que passem e os nossos corpos e idade indiquem outra realidade,
continuamos a ser pequenos. Pois
continuamos a querer e a desejar o que não temos, mesmo que isso represente a
incerteza do que realmente queremos. Mas em verdade, sem saber o que cremos de
facto, somos capazes de saber identificar o que não queremos mais, o que já não
faz sentido nas nossas vidas, com o tempo aceitamos e renegamos o que foi para
deixar entrar o que virá.
Enquanto
crianças, e ao longo do tempo do nosso desenvolvimento, estas rupturas ocorrem
vezes sem conta, na maioria dos casos acompanhada por uma rebeldia
incompreendida dos mais velhos. O problema coloca-se quando mesmo esses já não
aguentam mais o que conhecem e desejam algo novo, único, mesmo que utópico.
Cometemos
erros, todos, sem excepção. A falta de humildade não nos permite verbalizar
essas faltas. Equacione-se os problemas existentes na nossa sociedade hoje, e
iremos ver que os erros são na sua maioria de quem não os pode suportar
devidamente, pois na convicção de estarem a tomar decisões em bases ilusórias e
falsas são contemplados com o oposto do que lhes foi apresentado como a melhor
opção.
Tal como as
crianças que brincam ao faz de conta, enquanto método de aprendizagem da vida,
os seus erros caricaturais dos adultos são desenvolvidos e partilhados em cada
momento. Assim, quando a birra surge, e até um momento de exaustão, os pais
irão tentar ignorar e evitar o confronto necessário para mudarem o seu
comportamento e o da criança. Ignorando o que é pedido, fazendo de conta que
não estão a ouvir assumem a desvalorização do pedido que lhes é feito. A birra
cresce de tom, o cansaço faz-se notar na voz, nos gestos, nos olhares de ambas
as partes. E à medida que vai crescendo e se extremam posições para se alcançar
o que se quer, o diálogo passível de um acordo mútuo ser alcançado desaparece.
A dificuldade
está em sermos capazes de falar abertamente sobre o que queremos, o que fazemos
e sobre o que erramos. Somos ensinados a não errar, a não mostrar as nossas
fraquezas, admitir o erro é abrir por completo o flanco ao inimigo. E quem é o
inimigo?
É uma questão
com múltiplas respostas, e dependendo da barricada assim elas serão dadas. E se
em vez do inimigo falarmos no plural, será mais fácil identificarmos quem são?
Construímo-nos na base do querer o que não temos, sem conseguirmos estabelecer
o que é essencial para vivermos, é por isso que é útil aproveitarmo-nos da
fragilidade e da vulnerabilidade dos pequenos, sem considerarmos que podem
estar com alguma razão.
Observando as
últimas manifestações e greves realizadas no nosso país, mais uma vez vejo os
pais e os filhos a confrontarem-se sem se ouvirem mutuamente, sem se escutarem
e sem darem importância ao que lhes está a ser dito. As opiniões, os números
dos que participam, a desvalorização dos actos de ambos os lados perpetuam o
mesmo caminho isolado que cada pai e filho percorrem na aprendizagem de si.
São importantes
manifestações do que desejamos, do que necessitamos e do serviço que
pretendemos que seja prestado a quem confiamos a orientação do nosso bem-estar.
É sem dúvida necessário que nos responsabilizemos todos, e aqui começamos por
deixar de lado as acusações e os sectarismos existentes e delineamos um plano,
uma carta com o que consideramos ser essencial para vivermos em comunidade.
Necessitamos uns dos outros, precisamos de nos ajudar mutuamente para
encontrarmos as soluções viáveis para vivermos e deixarmos todos, ou a grande
maioria, de sobreviver. Se não nos manifestarmos, se não fizermos greve, se
aceitarmos todo o que nos é dado por quem não tem a consideração de nos tratar
como igual, de que serve a liberdade e as aspirações individuais que apenas se
estremam sem dar solução alguma à nossa vida.
O que se
constrói hoje é replicado amanhã. As exigências irão decerto aumentar, a
vontade de romper com o que se conhece também, pois compreendemos a inutilidade
do que temos hoje. Precisamos mudar, sim, todos ou apenas alguns. Temos a
capacidade para resolver os problemas todos que encontramos, sem dúvida, não
nos podemos é fechar numa ideia apenas, ou num mito que seja justificativo de
todos os atos de uns poucos. Tenho a certeza que as reivindicações vão
continuar, tal como a criança que deseja o rebuçado ou brincar na rua mais
tempo. Ainda não começamos a dialogar.
As
manifestações, as greves serão a demonstração do cansaço do que conhecemos, do
que temos. Na tentativa de nos salvaguardarmos a todos, as lutas só serão
minhas se eu compreender o que elas representam na minha vida. As decisões
tomadas apenas com um conhecimento parcial da realidade permite afunilarem os
sujeitos ao ponto de, sem saberem, começar a construir algo novo. Por muito
cansaço que se sinta, temos de continuar a lutar, mesmo que pareça não ter
efeito neste momento, a continuidade essa é que produzirá os efeitos
pretendidos. Um novo ciclo, com mais justiça, equidade e diálogo.
Os próximos
tempos serão de birras de ambas as partes. A força está nas ruas, nas pessoas,
que não podem pensar no hoje porque o amanhã é pior que o agora. Essa força é
visível em cada rosto, em cada desejo de mudança. Chegaremos ao ponto de sermos
capazes de cumprir o que está estipulado neste momento pois o que desaparece, o
que morre, não ressuscita. O trabalho, a ocupação das ruas será apenas um ponto
para nos educarmos e crescermos juntos. Congregar o que desejamos e que
realmente é necessário termos para vivermos, só quando tivermos definido o que
é necessário iremos dar o passo em frente para construir um novo mundo, de
preferência com todos. Compreender é manifestar além da razão.
E só através da
compreensão, pai e filho, serão capazes de ir no mesmo sentido sentindo que são
complementares de cada um deles.