quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A espera desespera P.II




Frigorífico, armário, as compras em prateleiras e gavetas guardadas, estende-se à mala as roupas molhadas, na máquina são lavadas e outras peças já usadas. Detergente adicionado, botão ligado, o tambor roda na lavagem programada. São horas da refeição tomar. Liga a televisão para a acompanhar, comenta sozinha o que está a dar. Fala, argumenta; canta.
São as banalidades da vida de todos os dias, dos acontecimentos distantes, os que não fazem parte da sua vida. Entristece-se ao ouvir e ver, enche o peito de ar para evitar o choro, a mágoa de em austero mundo viver. Questiona os princípios regentes da acção humana para tanta desgraça produzirem sem a poder transformar. Não há sua imagem, não segundo a sua idealização, mas justa e humanizada. Civilização atroz, pensa, que por um punhado de bens essências se mata, destrói, impõem e submete seus iguais. Conhecimento ilusório diminui a liberdade de ser quem és, de viveres o que melhor a vida tem para te oferecer.
Escolas infinitas delimitam o pensar, o agir; inquestionável ordem instituída. Perpetua reprodução, selvática pois então, da lei animal num ser superior investido de capacidades que os demais, igualado e superando em bestialidade os outros animais. A lógica dos interesses, a lógica da desconfiança, a lógica da lei da força implanta a desgraça, a diferença, dividindo, separando…
Não compreendo porque Soraia pensa assim. De que se queixa ela. Não trabalha, cuida da casa e do filho por opção. O marido trabalha e os negócios proporcionam-lhe uma vida plena sem preocupações. Tem o que necessita. Tem mais do que precisa, é verdade ela partilha. Mas porque se martiriza com a desgraça alheia? Responsável pelo mal do mundo e da sua sociedade que desmorona a cada dia que passa. Exigências antagónicas não cumpridas, apenas expressas nas belas palavras do discurso da lei proclamados. Não verte lágrimas, num pranto desconsolado o coração partido pelos maus tratos a que estamos todos submetidos.
As empresas do marido e restantes negócios são trabalhados na justiça. Os salários pagos, as rendas exigidas, não são definidas por qualquer mercado. Definem-se pelo cuidar, o dar e o amar. Perguntam-se se têm lucro? Têm o lucro necessário para investir e partilhar os ganhos alcançados pelos que dão o seu tempo e empenho.
Arruma a loiça combalida pelos textos e imagens assistidos. Troca de roupa, calças de ganga, camisola de lã, botas e casaco de pele para o passeio da tarde dar. O filho surge na sua memória a sorrir, feliz por estar a brincar. Apaziguado o coração surge nova emoção insaciável por algo desconhecido. Sai de casa.
Na rua encontra o vizinho que de sorriso aberto lhe diz:
- Olá como estás?
-Bem obrigado.

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