Educado na
pobreza mitigada pela nobreza das palavras e das vãs intenções de um dia sem
ser necessário sobreviver. Educado na pobreza para a manter até morrer.
Sem pedir licença entra por todas
as portas e janelas, pelas rajadas de sol, vento e chuva que alimentam e saciam
o meu ser. A ninguém foi requerido esse triste destino de pobre ficar, mas sem
o pobre nada funciona. A correção da pobreza seria um artifício louco que
permitiria que todos fossem iguais plenamente.
A pobreza é necessária para manter
a ordem existente, sem ela não existiriam os escravos que a troco de tão pouco
dão muito a poucos que não necessitam de nada. Os que necessitam nada têm, ou
muito pouco têm para viver. E assim, a solução mantêm a especulação da necessidade
desnecessária de se ser pobre.
A necessidade da sua existência,
perante factos tecnológicos e de conhecimento existentes nos dias de hoje
permitiria erradicar totalmente este fenómeno. No entanto, assistimos a um
discurso e ações veementes de aprofundamento da pobreza, das desigualdades
entre os indivíduos e os povos. Submissos, como devem ser, não questionamos o
que existe e o sistema que fomenta esta aberração. O mérito é todo da
necessidade.
Precisamos de ser pobres para,
apenas alguns poderem viver, não exigirmos de mais de um sistema arcaico e
desarticulado com as verdadeiras necessidades das pessoas. Precisamos de ser
pobres para aceitarmos com a simplicidade de uma respiração a morte de milhares
de irmãos que não conseguem aceder ao mínimo indispensável para uma vida digna.
Precisamos de ser pobres para
simplesmente contarmos os tostões para nos alimentarmos, vestirmos, aceder à
saúde, e a qualquer outro serviço pelo mínimo possível. Sim, afinal, nós
estamos a mais e o melhor é irmos definhando pelo caminho intermitente do
desrespeito pela dignidade da pessoa humana. Necessitamos de estar onde estamos
para sucumbirmos ou nos elevarmos e exigir o que nos tem sido tirado desde
sempre, o respeito de sermos de facto irmãos e iguais plenamente nas comunidades
em que vivemos.
Precisamos de ser pobres para a
escravidão se manter iluminada pela ilusão da liberdade. Se equacionarmos a
liberdade que o pobre tem para exigir o pagamento devido pelo seu tempo,
esforço e empenho num trabalho, iremos verificar que a liberdade não existe.
Esta é apenas uma palavra sem conteúdo real, pois estamos a obrigar um irmão a
reduzir a sua existência a uma lei selvática e primitiva onde o mais forte
ganha tudo e o fraco não ganha nada. Pensei que nos diferenciássemos dos animais,
mas por vezes acho que estes são mais humanos que os humanos.
A lei do mais forte implica que a
imposição da sua vontade seja cada vez mais sufocante para a maioria das
pessoas iguais a si. O tempo e a energia dada pelo pobre, nada representam para
o forte que esmaga toda a tentativa de rebeldia e libertação para um novo
estádio de sociedade.
Hoje podíamos ter a pobreza
erradicada de vez nas sociedades globais a que pertencemos. No entanto, o
interesse de uns poucos, permite que esta cresça a olhos vistos. E em breve a
necessidade dos pobres será desnecessária, e os números impor-se-ão com a
veemência de uma nova solução sem a participação dos que hoje controlam o mundo
dos fortes. Até porque o planeta não aguenta e não sustenta as práticas de
desenvolvimento que nos têm impelido perpetuamente para a frente. Assim, os
pobres educados na pobreza, para a manterem, para a aceitarem e nada mais
desejarem a não ser o pão de amanhã, mantêm-se escravos dos outros e das suas
necessidades básicas, as quais só têm acolhimento nas intenções.
Precisamos de ser todos pobres, a
todos os níveis. Só dessa forma conseguiremos resolver os problemas que temos
hoje. Pois só nesse momento não restará nada que impeça a verdadeira igualdade
entre semelhantes que nasceram iguais, com os mesmos sonhos, desejos e
quereres. Quando todos formos pobres a solução final será respeitarmos de facto
o que somos sem impormos a outro o que desejamos ou esperamos que ele seja para
nós a mão, o pé a cabeça que não possuímos ou não queremos ser.
Precisamos da pobreza para a
felicidade invadir todos os seres. A felicidade que todas as pessoas querem e
não alcançam. Só nesse momento a alcançaremos. Pois estaremos despidos de todas
as predisposições sobre as quais nos educaram até esse momento, e refutado o
modelo perpetuamente ensinado, enterrado sem velório ou honras de estado ou
militares, um sentimento novo florescerá em cada um de nós dotando-nos da
capacidade para em paz resolvermos a pobreza e todos os males conhecidos até
hoje.
Eu preciso do pobre para ser pobre.
Ser pobre é, em última instância, a derradeira riqueza que podemos desejar
alcançar. O muito ou pouco que conseguimos não se revela fundamental para a experiência da pobreza, tal como não se revela como o fenómeno que não deveria
existir e existe. Preciso de ser pobre para o rico na sua pequenez e fraqueza
continuar a achar que é ele que manda e controla o que sou, o que somos.
Construímos e desconstruímos a
pobreza escondida nos números ofegantes sem voz, como um subproduto das sociedades
que construímos. Sem questionar e sem resolver o que quer que seja para a sua
verdadeira erradicação, mantemo-la e contribuímos para o seu incremento.
Precisamos da pobreza para
continuarmos a ser o que somos!