sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A espera desespera P.I



Soraia descalça sente o frio da madeira soalheira. A manhã desperta-a num sorriso rasgado. O que terá sonhado…
De olhos fechados à beira da cama, inebriada pelo sol quente trespassando o vidro, liberta a alegria resplandecente da juventude perdida. Certezas, são apenas duas ao longo do dia. Desejos, ambições ocultas em si, no âmago do ser, provocam, em vão, o romper das escamas polidas na existência efémera. Sabe o descontentamento que a reina; sem coragem, a força de o salto dar para a outra margem. Incomodada todos os dias, ansiosa por se ver, sentir, sem a imagem refletida nas águas da vida.
Ergue-se em direção ao banho. Ergue-se esplendorosa, no pijama de flanela com rosas embutidas. Ergue-se por não restar nada, sem nada esperar ou esperando algo novo a experimentar. Ergue-se enfim, para a solidão na multidão da casa vazia. Insaciável noção de ser paredes altas construídas, arremessada vezes sem conta no jugo do pensamento, revisitada a cada momento das decisões não esquecidas. Em si, subordinadamente, a água, anseia o toque ameno e amoroso de alguém desconhecido, sem rosto, sem físico, sem alma.
Alma ousada, presa na certeza de mais um dia. A água escorre, escorre da cabeça aos pés, sem saber a labareda queima-a perpetuando o destino da felicidade assumida. Abraça-se… toca-se… estimula a carne vegetativa. Razões descoloridas, sentimentos incompreendidos. De si, em si, imagina a aventura de um novo amante, o qual jamais surgirá, apenas, por breves segundos, uma mão e beijos trocados.
Lava-se o corpo, a mente, o espírito. Fica a sujidade enraizada da vida. De toalha enrolada, cobre o corpo ensopado, a formosura no espelho cravada, questiona como não é vista nem sentida por ninguém. Feliz casamento este, feliz vida das necessidades não vividas. Infeliz interioridade não partilhada.
Veste o fato de treino, prepara a mala, come uma sandes e sai. A caminho do ginásio vai. A primeira certeza do seu dia.
É cedo, ainda. Não existe movimento significativo da vida na cidade, a rua preenche-se com algumas pessoas a deslocarem-se para o trabalho ou a deixarem as crianças na escola. Soraia caminha na expectativa do encontro, da palavra trocada, a atenção tão desejada. O percurso minimalista, em reta decalcado, a passo certo e largo, num ápice finalizado. Cruza a porta, dirige-se ao balneário, a mente desligada. Em casa sinto-me amada, mas algo está em falta, parece que o vazio se apodera de mim…
Troca amenas palavras, frases curtas de sorriso nos lábios. Bom dia, como está. A resposta já antecipada, sem retorquir em silêncio caminha para a máquina exercitar o físico bem delineado. Passa o tempo, passa a mágoa. Duas horas desvairadas a correr, a remar, a pedalar. Ao balneário torna fatigada. Despe o preconceito, lava o peito, fecha os olhos ao amassar o cabelo. A toalha pendurada seca o corpo molhado. Veste-se com o fato de treino na debandada. O sol espera amornar o seu coração.
De regresso a casa, dois são os encontros fortuitos sem significado. Simbólica sorte não fecundada. Serpenteando o caminho, adiciona nas mãos os mantimentos em falta, recheia a casa para as refeições não cozinhadas. As portas abrem, fecham-se à sua passagem não totaliza a amarra construída por si. As janelas entreabertas permitem o ar circular e a vida desejada entrar. O burburinho exterior apazigua o interior, informa a vida plena, coabitando a faminta vontade de mais alcançar. O quê…

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