quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Ardente sufoco, que me queima e dilacera P.III




Por fim, três beijos internos dos amantes e o descanso tão desejado. Em ambos, o desejo de uma boa noite e sonhos felizes. Sem outras palavras, ou afeto, viram-se para dormir. Mas os seus pensamentos tolham algum do seu tempo antes do repouso desejado. Joshua lembra o corpo desejado da colega, de curvas vibrantes e proporcionais. Marta recorda Tobias, e o desejo de estar perto dele quando o vê, em si brota arrebatadamente o afrontamento húmido e seco na boca íntima do seu corpo. Em consonância tentam afastar para longe os seus desejos íntimos, a custo conseguem e adormecem abraçados.
Com tantas peripécias que o dia ofereceu, é sem dúvida momento para o corpo e a mente relaxarem. Amanhã será dia de trabalho. Será necessário recuperar as energias e a concentração para a materializar as responsabilidades assumidas por ambos.
Observando os dois a descansar, num repouso completo, ninguém consegue ver o interior da vida de cada um deles. Marta e Joshua conhecem Tobias há quase 20 anos. São amigos e Marta conheceu através de Joshua, seu amigo de infância. Mas o que ela sente, o desconforto de o ter perto com o reconforto nos seus braços, é descartado na imensidão do oceano que os separa por longos períodos. Sem a coragem para o questionar sobre isso, pois ele de certeza terá uma resposta sobre o que ela sente, e o que ele sente também, na ignorância o desejo rompe o bom senso sugando-lhe o eterno sopro do vento da vida.
Joshua perde-se nas entranhas viscerais da beleza alheia, sem estereótipos ou pré-requisitos determinados. A colega, Ângela, vertiginosa no atiçar dos seus sentidos, impõe a sua presença diariamente, sem ser capaz de compreender plenamente o sentimento ou a atração que sente por ele. Mas no caso de Joshua, o seu desejo é apenas, ou talvez não, a necessidade física e emocional, sem a capacidade para a compreender, da plenitude do seu ser. Ao lado de Marta apreendeu o sentido do amor, e ama-a sem aceitar, pois na sua conceção só é possível amar uma pessoa de cada vez para poder dar-lhe tudo o que tem em si, e crescer aprendendo com a cara-metade o significado do amor. Ignoram que amar, é em primeiro lugar ser livre e dar o que se é, é estar e acompanhar alguém respeitando o que a outra pessoa é, as suas necessidades e desejos. Amar não implica estar apenas com uma pessoa em cada momento, amar é dar o que se é para a vida ser significante e proveitosa para cada um de nós.
A aurora dançante, nas entranhas da lua, rompe a luz intermitente do que irá dar alento aos seres despertados pelos raios subtis que afastam de vez a escuridão do espaço e do tempo passado. A manhã irá decerto trazer, sem qualquer pudor, a fadiga e o corrupio de um dia de semana. As ruas começam lentamente a ganhar vida, movimento, ritmo, constante sem espaço, tempo para apreciar o quer que seja. Na humilde habitação, nossos companheiros preparam-se para mais um dia.
Joshua de banho tomado beija Marta enrolando a língua na sua boca. Sorriso e “-Bom dia amor”. De um movimento só, os lençóis arremessados para o lado do companheiro, e em pé, Marta veste o robe acetinado violeta dirige-se para a porta do quarto.
“Já tomas-te o pequeno-almoço? Queres que prepare alguma coisa?”, todos os dias as perguntas repetem-se.  Joshua, um pouco atrasado, exprime a exaltação quotidiana com o olhar focado e fechado.
“Sabes perfeitamente que não como a esta hora, porque perguntas sempre o mesmo todos os dias. Já estou atrasado!”
Marta ainda vislumbrando um ar sonolento em si, pelo espelho, prepara-se para tomar o seu caminho para a cozinha e preparar o almoço para o seu amado se permitir a tratar do seu físico. “É só para confirmar, podias ter fome para variar.”
Ao entrar na cozinha pega na mochila onde compilará a refeição e lanches do dia. No frigorífico capta a caixa com os restos do almoço, javali assado com batata assada, fiambre, queijo e fruta. Na despensa aproveita o pão e um pacote de bolachas de sabores. Ordenados em cima da mesa, são preparadas duas sandes, embrulhadas as frutas, verificada a tampa da caixa do almoço. A repetição, incessante, destes movimentos e atos são prodigiosos mesmo num estado quase vegetativo da nossa ilustre anfitriã. Com todos os itens acondicionados na perfeição, são enxertados na mala e selada para ver nova luz no tenso escritório de Joshua.
Entra o esposo auscultando o relógio para controlar o possível atraso adiantado de 10 minutos, como sempre.
“- Que fazes hoje? Vais sair?”
“Só se necessitar de alguma coisa da rua. Devo só ir beber um café. Quero pintar um pouco”, sente a chama ardente do prazer fugaz com a imagem desvanecida de Tobias a tocar o seu ombro, deslocando-se para o pescoço e nuca acarinhando os seus cabelos. “Devo arrumar a casa e tenho de preparar o jantar. Queres alguma coisa especial? Chegas cedo?”

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