sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Ardente sufoco, que me queima e dilacera P.IV



“Devo chegar por volta das oito, o jantar pode ser algo rápido e leve”, exprimindo exasperação liberta uma bolha de ar pela boca, “Não sei porque perguntas sempre o mesmo”.
Beijando os lábios de rajada, suave beijo na testa, apressado dirige-se à porta caminhando para o trabalho, daí a 10 horas estará de volta. Marta vê-o partir num misto de ânsia e impassibilidade por poder recuperar de tanta inexistência existente na sua vida. As contradições emocionais dominam a essência física do seu ser. Parada, atonita por breves longos segundos mirando a porta, em confirmação, das horas do dia que terá pela frente só e acompanhada pelas necessidades mais intrínsecas das quais prefere não falar a ninguém.
Vira as costas à porta, arrumando a cozinha, sente pequenas explosões percorrerem o seu corpo, desconcentrada, não percebe as sensações emanadas do seu interior. Várias são as imagens, as caras, os aromas recordados nas suas lembranças mais profundas e provocadoras de hipersensibilidade no seu ser. Amores passados, presentes, futuros. Amores vividos, imaginados. Amores sentidos. Amores sentidos! Em si, de pé, olha e procura, não encontra forma. Nova torrente com os escassos pelos eriçados, Tobias surge na mente, no coração tépido, provoca a inundação plena do seu amor-próprio, amena divindade dilacerada pela ausência presente do seu Amor. De costas voltadas para a cozinha inicia o percurso para o banho despertador do seu corpo sonolento.
No caminho reflete sobre a razão de estar constantemente a sentir o que sente pelo amigo de longa data. Não compreende que a sua ligação a ele é mais veemente e enérgica do que qualquer amor ou paixão vivida ou por viver. Estará ela a apaixonar-se por ele? Na sua mente a resposta é não, no seu corpo também, seria ela capaz de deixar Joshua por Tobias? Não será por ele que o deixará, mas por outro desconhecido ainda não presente na sua vida.
(Mas o que sinto é inexplicável! Por vezes desejo ardentemente beija-lo, sentir o corpo dele no meu. E nesses dias não consigo resistir a quere-lo para mim. Será apenas atração? Não me parece, mas o que ele me faz sentir é… parece que tenho outra pessoa dentro de mim. Fico como nunca fiquei a não ser por quem me senti atraída fisicamente intensamente eletrificada pelo seu toque, odor, presença. Não posso mesmo pensar nele, estaria a trair o Joshua, o amor da minha vida. Mesmo os beijos que trocamos têm de parar de alguma forma, se não qualquer dia beijo-o na boca e o desespero crescente, não sei o que acontecerá após esse beijo. Não posso sentir seja o que for. Ele é meu amigo e nada mais. O seu o olhar penetra em mim sabendo o que sinto, eu sei… mas eu nunca lhe disse nada. Não é correto viver isto, não posso.)
A seguir ao banho o pequeno-almoço é tomado. Convertendo um dos quartos em estúdio, Marta prepara-se para iniciar mais um quadro. No estúdio apenas se descobre um sofá de dois lugares para receber visitas breves, enquanto pinta, perto da porta, duas paredes beges e duas brancas alternadas, com dois quadros e duas fotografias nas respetivas paredes, a decoração é simples e acolhedora para local de trabalho. A janela da sala virada a sul permite captar a luz do sol o dia inteiro, com vidros do chão até ao teto. O cavalete, o banco e uma mesa de apoio a três metros da janela, o meio da sala desimpedida no caso de ter um modelo a posar. Olha a tela, os pincéis, o banco e apenas sente desespero por não saber o que fazer, o que pintar. Em si e fora de si, Tobias ocupa o seu dia…

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